No Estádio Bosuil, em Antuérpia, a equipa liderada por Edinho Filho, e capitaneada por João Luís, perdeu por 2-0. Um resultado que não expôs o equilíbrio reinante no baptismo europeu.
A 14 de Setembro de 1993, o Leão do Almirante Reis inaugurava o caminho Marítimo para a elite do futebol europeu. Depois da epopeia frente ao Boavista FC, em Maio, que garantiu a primeira qualificação europeia de uma equipa insular portuguesa, o sorteio ditou encontro com o Royal Antwerp, poderosa equipa belga que, na temporada anterior, alcançou a final da Taça das Taças e só os italianos do Parma conseguiram derrotar. Pela frente, portanto, uma formação com pergaminhos europeus e com um jogador no banco que viria a dizer muito aos Maritimistas: Van der Straeten. Do outro lado do mar – desde uma Pérola do Atlântico cada vez mais procurada por turistas naqueles alvores dos anos 90 -, o Club Sport Marítimo, estreante absoluto e absoluto desconhecido dos grandes europeus. Não por muito mais tempo.
Edinho Filho era o treinador dos endiabrados campeões das ilhas que preparavam o assalto à Europa. Edinho foi escolhido para suceder a Paulo Autuori, o treinador que se eternizou no Maritimismo por conduzir a equipa ao estrelato do “velho continente”. No Estádio Bosuil, em Antuérpia – cidade com fortíssimas e ancestrais ligações navais -, o madeirense João Luís capitaneou os rapazes do Almirante Reis. Ao entrar em campo, o capitão deu um pequeno passo para a humanidade, mas um grande passo para o Marítimo e para a Região. Nas imediações do Estádio e, depois, nas bancadas, muitos portugueses – e muitos madeirenses – no apoio ao orgulho da Madeira.
O Marítimo acusou algum nervosismo nos minutos iniciais do seu primeiro duelo europeu, mas a equipa estabilizou e equilibrou os acontecimentos. Mais posse para os anfitriões, alguns calafrios para Bizarro, mas o último reduto insular resolvia com maior ou menos dificuldade. No ataque, Vado, Gustavo e o trio-maravilha – Ademir, Edmilson e Jorge Andrade – alertavam os belgas para o perigos daquele futebol vertiginoso que encantou Portugal. O intervalo chegou com o nulo no marcador.
A segunda-parte iniciou-se com o Marítimo ainda mais audaz. Vado ganhou metros no centro e disparou para uma defesa difícil do veteraníssimo guardião Ratko Svillar, 43 anos. Na resposta, o Antuérpia marcou. Jogada confusa na área de Bizarro, os belgas foram mais agressivos e, ao segundo poste, apareceu a cabecear Severeyns. O Marítimo estava em desvantagem aos 48 minutos, A equipa reagiu e Jorge Andrade esteve perto de igualar, após um raide de Gustavo pela esquerda. Depois, e já com o madeirense Eusébio a espalhar classe no corredor esquerdo, o Marítimo voltou a estar perto do empate, mas o corte providencial privou Jorge Andrade da alegria. As ameaças dos belgas não retiravam fulgor ao Marítimo. Na sequência de um pontapé de canto, Jorge Andrade, mais alto do que toda a gente, cabeceou para aquele que teria sido o baptismo do golo na Europa do futebol. Incompreensivelmente, o árbitro da partida anulou o tento. Incredulidade entre as hostes verde-rubras, alguma oscilação anímica e experiência do Antuérpia. Já perto do apito final, Milos Bursac recebeu na meia-esquerda, flectiu para dentro e disparou uma bola traiçoeira que, ao embater no relvado, iludiu Bizarro e aninhou-se nas redes insulares. 2-0 para os belgas, muita amargura entre os Maritimistas que mereciam ter saído da Bélgica com o empate.
Na segunda-mão, o ‘Caldeirão’ engalanou-se para a sua entrada no radar europeu. Uma entrada que poderia ter sido triunfal, não fossem as oportunidades desperdiçadas pelo Marítimo na primeira parte, numa altura em que o Antuérpia resistia e parecia não conseguir rechaçar o sufoco. No entanto, os belgas já haviam dado a provar do seu veneno. Contra a corrente do jogo, um passe magistral rasgou a defesa madeirense, Severeyns apareceu isolado perante Bizarro e não perdoou. Aos 36 minutos, o Antuérpia erradicava quase todas dúvidas sobre o vencedor da eliminatória. E se dúvidas persistissem, um brilhante envolvimento colectivo dos belgas permitiu a Didier Segers dilatar a vantagem ainda antes do intervalo. Naquele momento, o Antuérpia liderada a eliminatória com um pecúlio que já ameaçava o orgulho maritimista: 4-0
O Marítimo, porém, sabia que só a infelicidade justificava aquele desnível. Na segunda-parte, endiabrados, o Marítimo encostou o Antuérpia às cordas e, antes de reduzir por Heitor, falhou várias ocasiões. Heitor, o homem dos livres impossíveis, reforçou o relevo do seu nome na História do Marítimo: aos 67 minutos, na conversão de um livre, o campeão mundial sub20 bateu, finalmente, Svillar. O Caldeirão empolgou-se. Passar à fase seguinte já não estava na cabeça de ninguém. O que interessava era honrar o Marítimo, a Madeira e Portugal. E a estreia dos Barreiros como palco europeu jamais poderia resultar numa derrota. Toda a gente sabia disso. Vado foi o intérprete dessa certeza Aos 77 minutos, um canto olímpico voltou a desfeitear Svillar. Desde o lado esquerdo, o estilo inimitável de Vado levou a bola às redes belgas pela segunda vez. Empate na partida, mas era pouco. O Marítimo queria ganhar seu primeiro jogo europeu em casa. Até ao fim, o Antuérpia não mais chegou à baliza de Bizarro. Os belgas pareciam sentir que o impensável poderia acontecer, mas não aconteceu. Sofreram – sofreram muito -, mas conseguiram sair do ‘Caldeirão’ só com escoriações e recordações para a vida: o Marítimo nunca se rende.
2-2 no final do tempo regulamentar, 4-2 na eliminatória. O Club Sport Marítimo despedia-se das competições europeias 93/94 com um cartão de visita muito claro: até já.