Após derrota em Elland Road por 1-0, o Marítimo igualou a eliminatória, no Caldeirão, através de Jorge Soares, mas sucumbiu nas grandes penalidades
A 15 de Setembro de 1998, o Club Sport Marítimo disputou o seu 7º duelo europeu na sua 3ª participação na Taça UEA. Para alcançar, de novo, as provas europeias, o Caldeirão assistiu à epifania de Herivelto, o avançado brasileiro que anotou o terceiro golo do Marítimo frente ao FC Porto, já Campeão Nacional 1997/1998. Nesse 17 de Maio de 98, o Marítimo entrou para a última jornada com 53 pontos, menos dois do que o Boavista FC. Para atingir a Europa, uma vitória poderia não bastar, uma vez que aos “axadrezados” bastaria um empate na recepção ao Campomaiorense. Mas o Marítimo transforma improbabilidades em epopeias. É assim desde 1910. O Leão do Almirante Reis venceu por 3-2 e o Boavista FC perdeu em casa. A Europa abria as portas ao Maior das Ilhas pela terceira vez.
Desta vez – e entre tantos tubarões que rondavam o Leão do Almirante Reis -, calhou-nos em sorte o Leeds United, equipa que, naquela altura, lutava pelo título inglês. Os tubarões que nos farejavam não o faziam com aquela pose de quem mata: farejavam porque sabiam que nós viemos do mar e nem à Vechia Signora fizemos vénia. Portanto, tubarões, bem-vindos ao Mar Íntimo.
Na primeira-mão, a 15 de Setembro de 98, os rapazes do Almirante Reis visitaram Elland Road, casa de um Leeds que contava nas suas fileiras com craques como Jimmy Floyd Hasselbank, o guardião internacional inglês Nigel Martyn, o australiano Harry Kewell e, entre outros, um jovem irlandês que faria história no Liverpool, Ian Harte, e um rapaz de 18 anos que se revelou um craque com passagem posterior pelo Manchester United de Cristiano Ronaldo: Allan Smith. Uma equipa temível, mas que o Marítimo nunca temeu.
Com Augusto Inácio ao leme, o Marítimo alinhou com Van der Straeten entre os postes, o capitão Carlos Jorge em dupla com Jorge Soares, Rui Óscar e Eusébio nas laterais, um “miolo” com Paulo Sérgio, Zeca e o saudoso Márcio António, com o francês Duveau e Toni no apoio ao canadiano Alex Bunbury. Durante o jogo, Augusto Inácio chamou Lino, Herivelto e Tulipa, agora treinador da principal equipa verde-rubra.
O Marítimo soube sofrer em Elland Road. O Leeds United teve sempre mais bola, domínio territorial que chegou a ser sufocante, mas o colectivo verde-rubro demonstrou uma coesão e solidariedade impressionantes. O único golo da partida surgiu numa altura em que todos os Maritimistas acreditavam num empate muito saboroso: aos 84 minutos, o letal Jimmy – conhecido de outras andanças ao serviço do Campomaiorense e do Boavista – assinou o golo que garantia aos britânicos vantagem na eliminatória. Num livre à entrada da área de Van der Straeten, Jimmy atirou rasteiro e forte, a bola sofreu desvio na barreira madeirense e traiu o guardião belga. Inglório para o Marítimo, mas boas perspectivas para o jogo no Caldeirão. O tubarão chegava à Madeira com menos dentes.
A 29 de Setembro, o 8º jogo do Marítimo na UEFA. O Caldeirão de novo em ebulição para receber uma das grandes equipas inglesas. E a crença era clara: incinerar em lava as esperanças dos forasteiros. Inácio introduziu alterações no “onze”, lançando Jokanovic e Lino. O Marítimo, desde o apito inicial, procurou cercar a área de Nigel Martyn. Alex, sempre muito combativo, dava muito trabalho aos centrais do Leeds. Alf-Inge Haaland, pai de Erling Haaland, super-estrela do Manchester City, não deverá ter esquecido o canadiano que procurava o caminho do golo. E também não deverá ter esquecido Jorge Soares, o central que, perto do intervalo, invadiu terras de Sua Majestade e cabeceou para o golo. O Marítimo estava em vantagem no jogo e empatava a eliminatória.
Na segunda-parte, e desfeitas as dúvidas sobre o verdadeiro tubarão, o Marítimo investia, amordaçava, causava o pânico no último reduto inglês. Com Paulo Sérgio e Tulipa em campo nos lugares de Lino e de Jokanovic, o Marítimo arriscava tudo. Estávamos a um golo de eliminar o Leeds Unites. Aos 85, e numa derradeira tentativa de desbloquear a eliminatória, Inácio lançou o vertiginoso Pedro Paulo. Na direita, o pequeno e saudoso ilusionista da bola levou o pânico à área inglesa. No entanto, o resultado manteve-se quando o austríaco Fritz Stuchlik apitou para o fim do tempo regulamentar. O Marítimo venceu o Leeds United, mas faltava vencer a eliminatória.
No prolongamento, mais do mesmo: mais Marítimo, Leeds com medo visível, um Caldeirão em actividade vulcânica muito intensa. Não obstante as oportunidades – e quase sempre através de Pedro Paulo -, o resultado não se alterou. O Leeds conseguiu o que queria: encostado às cordas, os britânicos desejavam as grandes penalidades. E foram mais felizes. Muito mais felizes. Alf-Inge Haaland marcou para os britânicos, Alex Bunbury empatou. Ian Harte devolve a vantagem e Paulo Sérgio falhou. Danny Granville aumentou para 3-1 e Jorge Soares, autor do golo que empatou a eliminatória, também falhou. Na conversão seguinte, Lee Sharpe confirmou a vitória do Leeds por 1-4 após desempate por grandes penalidades.
O Marítimo, uma vez mais, caía nas competições europeias depois de ter deixado outro tubarão com órgãos vitais muito maltratados. O Caldeirão não queria acreditar na injustiça que punia o Marítimo e os Maritimistas. Muita gente chorou, muita gente se abraçou a quem estava mais perto. Viram-se lágrimas no rosto de Inácio. Os jogadores maritimistas estavam inconsoláveis, os do Leeds celebravam muito com os seus adeptos. Afinal, haviam sobrevivido ao Caldeirão. Os rapazes do Almirante Reis saíram do relvado sob umas das maiores ovações de que há memória após uma eliminação: foi bonito, foi muito bonito. Foi a grande Beleza do drama. Aquelas lágrimas já não eram de tristeza, mas de muito orgulho: muito orgulho no Club Sport Marítimo e na Madeira.
Foi há 25 anos. Ou seja, ontem.